A Semana da Sociobiodiversidade 2023 reuniu em Brasília mais de 230 lideranças representando povos indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas e ribeirinhos, com o tema “Fortalecendo Economias Sustentáveis, Pessoas, Culturas e Gerações”. Realizado entre os dias 31 de agosto e 6 de setembro, o evento foi um marco para a articulação técnico-política em prol das economias da sociobiodiversidade e da proteção dos territórios tradicionais.
Coordenada pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), com o apoio técnico do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e do Observatório Castanha da Amazônia (OCA), a mobilização aconteceu na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em Brasília. O evento reuniu castanheiros, seringueiros e manejadores de pirarucu, além de apoiadores e parceiros vindos de estados como Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, assim como representantes da Pan-Amazônia e de outros biomas brasileiros, formando uma rede ampla e diversa de participantes.
O encontro foi estruturado em duas etapas principais: as reuniões setoriais, realizadas de 31 de agosto a 2 de setembro, e a agenda de incidência política, que ocorreu de 4 a 6 de setembro na Câmara dos Deputados e no Palácio do Planalto.
Na programação setorial, cada um dos coletivos se organizou para atender às suas demandas específicas. Os coletivos da castanha e do pirarucu promoveram agendas internas e externas para avançarem no acesso a políticas públicas, nas pautas de agregação de valor dos produtos, apresentações de projetos, dentre outras atividades. E o grupo da borracha, depois de dias de debates e planejamento, formalizou a criação do Coletivo da Borracha Nativa da Amazônia, unindo seringueiras e seringueiros às instituições de apoio técnico e científico em prol da cadeia produtiva.
Agenda Setorial do Coletivo da Castanha
A agenda setorial da castanha equivaleu ao II Encontro Nacional de Castanheiras e Castanheiros, realizado como parte da Semana da Sociobiodiversidade. Marcado como o segundo momento de encontro presencial entre os membros do Coletivo da Castanha, que mantém uma comunicação remota constante ao longo de todo o ano por meio de um grande grupo de WhatsApp. O encontro reuniu cerca de 100 representantes das organizações que integram o Coletivo, com o objetivo de prosseguir com as discussões estratégicas de organização coletiva e debater os desafios da cadeia de valor da castanha-da-amazônia.
Durante o evento, os participantes abordaram temas como a sustentabilidade da produção frente as mudanças climáticas, a logística de distribuição e as políticas públicas relevantes, como o PNAE, PAA, PGPMBio e PSA. No caso do PSA, foi apresentado o estudo “Incentivos econômicos para a cadeia de valor da castanha-da-Amazônia: conceitos e caminhos”, produzido pela Conservation Strategy Fund (CSF), encomendado pelo OCA. Além disso, foi proposta a criação piloto das Regiões Castanheiras, uma estratégia para organizar uma inteligência de dados baseada nas rotas de produção e distribuição da castanha na Amazônia, com o objetivo de fortalecer o monitoramento de dados sobre a cadeia de valor.
O encontro também contou com a apresentação do Sistema IÊ (Sistema de Inteligência Econômica e Ecológica da Castanha), uma ferramenta que monitora os preços da castanha nas regiões produtoras, alimentada pelos próprios castanheiros.
O momento final foi o espaço para levantar demandas específicas da cadeia da castanha, que foram incorporadas à “Carta da Semana da Sociobiodiversidade”, abordando questões como o acesso a políticas públicas e as especificidades das populações que trabalham com a castanha-da-amazônia.
Julianna Maroccolo, consultora da Secretaria Executiva do OCA, destacou a importância de refletir sobre a trajetória do coletivo, dizendo: “Em um encontro como esse, sempre temos que lembrar de onde viemos, onde estamos e para onde vamos.”
Levantamento de Demandas e Elaboração da Carta da I Semana da Sociobiodiversidade
No encerramento das atividades setoriais, no dia 2 de setembro, uma dinâmica de grupos rotativos foi organizada para promover a troca de ideias e identificar prioridades. O resultado foi a elaboração da Carta da Semana da Sociobiodiversidade, um documento coletivo que sintetiza as principais demandas e reivindicações das populações extrativistas, representada pelos castanheiros, seringueiros e manejadores de pirarucu presentes no encontro.
A carta apresenta propostas para destravar políticas públicas e programas que fomentem as s essas cadeia produtivas, reforçando a necessidade de ações concretas que garantam direitos e melhorarem as condições de trabalho dessas populações.
“As reuniões setoriais foram importantes para que os participantes do encontro pudessem discutir e definir, de forma específica, as prioridades de suas cadeias produtivas, garantindo que a ‘Carta da I Semana da Sociobiodiversidade’ refletisse as reais demandas das comunidades . Esse processo de organização e construção coletiva é central na estratégia de fortalecimento e incentivo a organização das populações extrativistas e manejadoras da amazônia, permitindo uma incidência política nos órgãos do executivo federal e legislativo com a pauta mais organizada.” — André Tomasi, analista socioambiental do IEB e gestor da Secretaria Executiva do Observatório Castanha da Amazônia (OCA).
A Carta da Semana da Sociobiodiversidade: Um Chamado à Ação
A “Carta da Semana da Sociobiodiversidade” é o principal resultado das articulações e debates ocorridos durante o evento em Brasília. Elaborada coletivamente pelas lideranças extrativistas, indígenas, quilombolas e ribeirinhas presentes no encontro, a carta reúne 60 demandas organizadas em oito eixos estratégicos, com foco na proteção dos territórios e no fortalecimento das economias da sociobiodiversidade.
Entre os principais pontos, o documento destaca a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para a regularização fundiária e proteção ambiental dos territórios tradicionais, incluindo Unidades de Conservação, Terras Indígenas e territórios quilombolas. Entre as políticas defendidas, estão a ampliação e fortalecimento de programas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que visam garantir a inserção e valorização de produtos da sociobiodiversidade, como a castanha e o pirarucu, nos mercados institucionais. O documento também enfatiza a importância de consultas livres, prévias e informadas (OIT 169) para assegurar que as comunidades tenham voz ativa em decisões que impactam seus territórios, além da criação de instrumentos econômicos e financiamentos específicos que desburocratizem o acesso a recursos e incentivem práticas de manejo sustentável.
A carta ainda propõe proposta para elaboração de políticas públicas para garantir trabalho digno aos extrativistas, como a implementação de um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) que remunere as atividades de conservação e manejo sustentável realizadas pelas comunidades. Também sugere a qualificação da assistência técnica e extensão rural (ATER), adaptada às realidades locais, para garantir suporte adequado aos povos tradicionais. O documento reforça ainda a importância de políticas inclusivas voltadas para mulheres e jovens, com foco na educação, na reparação de direitos e no combate à violência, e defende a participação ativa dos povos da floresta nas discussões da COP-30, garantindo que suas demandas e experiências sejam consideradas nas decisões globais sobre mudanças climáticas.
Incidência Política: Audiência Pública e Sessão Solene
A agenda política da Semana da Sociobiodiversidade teve início no dia 4 de setembro, setembro no Congresso Nacional, começando com a audiência pública intitulada “As relações trabalhistas relacionadas à sociobioeconomia“, organizada na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, a pedido do deputado Airton Faleiro (PT-PA), que ressaltou a atenção cada vez maior para a economia verde e a necessidade de regulamentar as relações trabalhistas do setor levando em consideração a sustentabilidade e o bem-estar dos trabalhadores.
A audiência focou nos desafios enfrentados pelos povos da floresta, destacando a necessidade de uma articulação direta e efetiva com o governo para assegurar os direitos trabalhistas dos extrativistas e fortalecer as economias sustentáveis. Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), chamou a atenção para a falta de reconhecimento global sobre a importância dos povos da floresta:
“O mundo vem discutindo as alternativas de uma economia global voltada à bioeconomia, mas pouco tem se falado sobre a importância e a valorização dos guardiães da floresta e da garantia dos seus direitos como trabalhadores extrativistas”, afirmou Dione Torquato durante a audiência.
Ainda no dia 4, foi realizada uma sessão solene no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em celebração ao Dia da Amazônia e aos 35 anos do legado de Chico Mendes. A cerimônia, que também abordou os avanços e desafios para a luta dos territórios tradicionais de uso comum na Amazônia, teve como foco preparar as discussões para a COP-30, que ocorrerá em Belém em 2025. A sessão destacou a importância das comunidades tradicionais na conservação da floresta amazônica e reafirmou a necessidade de políticas públicas que garantam a proteção dos territórios e os direitos trabalhistas dos extrativistas.
“Nós, povos e comunidades tradicionais, agricultores(as) familiares, indígenas e quilombolas sustentamos as bases da economia solidária e sustentável deste país. Nossos territórios, além de serem extremamente importantes na produção de alimentos saudáveis, têm um papel fundamental na conservação do Meio Ambiente, redução das mudanças climáticas e manutenção dos Serviços Ambiente”, enfatizou Dione Torquato.
Celebrações e diálogos políticos no Dia da Amazônia
Os diálogos políticos da Semana da Sociobiodiversidade se intensificaram no Dia da Amazônia, em 5 de setembro. Pela manhã, uma mesa discutiu “O novo governo e a importância das políticas socioambientais” e . Participaram importantes autoridades, incluindo o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, o Secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, Rodrigo Rollemberg, e a Secretária Nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta, entre outros.
Durante essa mesa, a carta da Semana da Sociobiodiversidade foi apresentada e debatida pelos representantes do governo e pelas lideranças extrativistas e indígenas. O documento serviu como base para as discussões, abordando como o governo pode estruturar e fortalecer a agenda socioambiental, com foco nas economias da sociobiodiversidade, nas populações tradicionais e na proteção dos territórios.
À tarde, as delegações se dirigiram ao Palácio do Planalto para participar de uma cerimônia promovida pelo governo em homenagem ao Dia da Amazônia. As delegações aproveitaram a oportunidade para entregar a carta da I Semana da Sociobiodiversidade às autoridades do governo federal. Entre os destinatários estavam o Presidente do Ibama, Agostinho, o Ministro Flávio Dino, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e a Ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas.
A entrega da carta da Semana da Sociobiodiversidade marcou um momento significativo, com a participação de mais de 230 lideranças representando povos indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas e ribeirinhos da Amazônia. Essas lideranças levaram suas pautas e dialogaram diretamente com o governo, sublinhando a importância de políticas que preservem a Amazônia e garantam o bem-estar das comunidades locais. Este documento é um chamado à ação, e cabe agora aos tomadores de decisão e à sociedade transformar essas recomendações em ações concretas, monitorá-las e seguir cobrando do governo.
A realização da I Semana da Sociobiodiversidade é do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Memorial Chico Mendes, Comitê Chico Mendes, Coletivo da Castanha, Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Coletivo do Pirarucu, Gosto da Amazônia, Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), WWF-Brasil, Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Instituto Socioambiental (ISA). Além disso, tem o apoio e parceria de mais de 25 instituições socioambientais que atuam em defesa dos povos da floresta amazônica.
Leia AQUI a carta na íntegra!
Assista a cobertura da semana através dos olhar dos comunicadores da Rede Xingu+: